Toda a verdade sobre os influencers da restauração: uma oportunidade ou uma praga?

Toda a verdade sobre os influencers da restauração: uma oportunidade ou uma praga?
Os influencers dão visibilidade aos restaurantes, mas valem o risco?

Nos últimos anos, os influencers invadiram o mundo da restauração como uma força impossível de ignorar. Em Portugal, onde a comida é mais do que uma refeição – é um pedaço de história e convívio –, estas figuras digitais estão a transformar a forma como os restaurantes se ligam com os clientes. Mas será esta colaboração uma receita para o sucesso ou uma moda que pode azedar? Neste artigo, mergulhamos nos prós e contras desta tendência, explorando o impacto dos influencers nos restaurantes portugueses e tentando perceber se são, afinal, uma bênção ou uma maldição disfarçada.

O impacto positivo: visibilidade e alcance

Os influencers têm uma capacidade única de colocar um restaurante no mapa – ou melhor, no feed – de milhares ou até milhões de pessoas. Uma publicação bem trabalhada, com uma foto de um prato apetitoso ou um vídeo de um ambiente acolhedor, pode ser o suficiente para encher mesas e criar buzz. Em Portugal, onde a gastronomia é um orgulho nacional, influencers especializados em comida – como o Casal Mistério e o Tiago Charters – tornam-se versões modernas do tradicional passa-a-palavra, mas com um alcance exponencial.

Os benefícios para os restaurantes que acertam na escolha do influencer são claros:

  • Aumento de notoriedade junto de um público específico e alinhado com o conceito do espaço.
  • Criação de desejo através de imagens e vídeos que fazem crescer água na boca.
  • Autenticidade na promoção, já que os seguidores confiam nas recomendações de quem admiram.
  • Dinamização do negócio, destacando pratos icónicos ou novidades sazonais – imagine um bacalhau à Brás ou uma sobremesa de Natal a brilhar no Instagram.
  • Atração de novos clientes, especialmente gerações mais jovens que vivem ligadas às redes sociais.

Mais do que isso, as redes sociais permitem uma segmentação quase cirúrgica. Um restaurante de petiscos no Porto pode chegar a foodies locais, enquanto um espaço trendy em Lisboa pode atrair turistas em busca de uma experiência “instagramável”. Uma boa história – seja sobre a origem de um prato ou a simpatia do staff – transforma uma refeição numa narrativa que fica na memória.

O outro lado da moeda: expectativas vs. realidade

Nem tudo corre como num conto de fadas digital. Por trás das fotos perfeitas, existem desafios reais que os restaurantes enfrentam ao lidar com influencers:

  • Pedidos de refeições grátis em troca de “exposição” – Nem sempre o retorno justifica o investimento, especialmente para pequenos negócios com margens apertadas.
  • Conteúdo pouco genuíno – Há influencers que promovem por obrigação ou pagamento, sem paixão ou verdade na recomendação.
  • Efeito boomerang – Uma crítica negativa, por mais pequena que seja, pode espalhar-se como fogo e afastar clientes num instante.
  • Falta de retorno mensurável – Muitas vezes, o impacto nas vendas é difícil de quantificar, deixando os donos na dúvida.
  • Clientes de passagem – Alguns chegam atraídos pela moda do momento, mas não voltam, dificultando a criação de uma base fiel.

Outro problema crescente é o dos influencers “falsos”, que inflacionam números de seguidores com compras de bots e interações artificiais. Para um restaurante português, que muitas vezes vive da autenticidade e da tradição, apostar num parceiro assim pode ser um erro caro – tanto em dinheiro como em reputação.

Casos de sucesso vs. casos problemáticos

O poder dos influencers na restauração em Portugal já foi comprovado por casos reais, amplamente documentados nos últimos anos, que mostram tanto o potencial transformador destas parcerias como os riscos quando mal geridas.

Um exemplo de sucesso é o do restaurante A Cevicheria, em Lisboa, liderado pelo chef Kiko Martins. Em 2019, o espaço ganhou destaque internacional após ser promovido por influencers gastronómicos como Casal Mistério, um perfil anónimo com mais de 200 mil seguidores no Instagram. Os posts detalhados sobre os pratos de ceviche, aliados a fotos apelativas, ajudaram a atrair uma vaga de clientes, incluindo turistas, e contribuíram para que o restaurante fosse mencionado em listas como a da Time Out. Dados do próprio Kiko Martins, partilhados em entrevistas, indicam que a visibilidade nas redes sociais foi essencial para consolidar a marca, com um aumento significativo nas reservas após estas colaborações. Outro caso é o do We Coffee, em Oeiras, que em 2023 anunciou ter recebido mais de 1 milhão de visitantes desde a abertura, em grande parte graças a influencers como Rita Pereira, que já promoveu experiências gastronómicas em espaços modernos, alcançando os seus 1,2 milhões de seguidores.

Por outro lado, nem todas as histórias acabam bem, e há exemplos documentados de parcerias problemáticas. Em 2022, o Observador reportou o caso do restaurante Rebel Asian, na Rua da Boavista, Lisboa, cujo dono, Luís Gasparinho, desafiou influencers a pagar as refeições e doar o valor a uma causa, após receber dezenas de pedidos de “borlas” sem retorno garantido. Nenhum influencer aceitou o desafio, e o caso gerou manchetes, expondo a frustração do setor com promessas vazias. Outro exemplo é o de Mafalda Sampaio (Maria Vai com as Outras), uma influencer com mais de 500 mil seguidores, que em 2020 enfrentou críticas públicas pela falta de transparência em parcerias gastronómicas. Seguidores acusaram-na de promover restaurantes sem divulgar que recebia benefícios, o que foi amplamente discutido no Instagram e manchou a sua credibilidade, afetando a confiança em colaborações futuras.

Estes casos, retirados de notícias (Observador, 2022) e reações nas redes sociais, mostram como o sucesso depende de autenticidade e alinhamento entre restaurante e influencer. Enquanto alguns estabelecimentos e criadores de conteúdo crescem juntos, outros sofrem com expectativas inflacionadas ou falta de profissionalismo.

Nem todos os influencers são "verdadeiros". Alguns são apenas oportunistas.

Como saber se um influencer vale a pena?

Para navegar neste mar de incertezas, os restaurantes precisam de ser estratégicos. Aqui estão algumas dicas para escolher bem:

  1. Analisar a relevância – O público do influencer coincide com o target do restaurante?
  2. Verificar o envolvimento – Mais vale um micro-influencer com 5 mil seguidores ativos do que um “gigante” com interações falsas.
  3. Definir expectativas claras – Ambas as partes devem saber o que esperar da parceria.
  4. Formalizar acordos – Um contrato simples evita mal-entendidos e garante compromisso.
  5. Medir resultados – Códigos promocionais ou reservas marcadas via redes sociais ajudam a avaliar o sucesso.

Dicas para restaurantes: Como maximizar o potencial dos influencers?

Colaborar com influencers pode ser um trunfo se for bem executado. Eis como tirar o máximo partido:

  • Escolher quem já vibra com o conceito – Um influencer que adore cozido à portuguesa vai promover uma tasca com muito mais alma.
  • Criar experiências únicas – Um jantar temático, um prato criado para o influencer ou uma espreitadela à cozinha tornam o conteúdo irresistível.
  • Apostar nas tendências – Reels e vídeos curtos no TikTok têm mais alcance do que fotos estáticas.
  • Investir em parcerias duradouras – Um influencer que volta várias vezes cria uma relação mais natural e credível com os seguidores.

Os restaurantes portugueses podem ainda jogar com a sua identidade. Uma pastelaria que faz travesseiros de Sintra pode convidar um influencer para mostrar o processo ao vivo, enquanto um espaço de marisco no Algarve pode destacar a frescura dos ingredientes num vídeo à beira-mar.

O futuro dos influencers na restauração

Os influencers têm dominado o marketing nos últimos anos, mas há sinais de uma mudança em direção a algo mais integrado e tecnológico. Uma tendência emergente que parece ganhar força é o social commerce avançado com inteligência artificial (IA), especialmente em setores como a restauração. Em vez de depender apenas de influencers humanos para promover restaurantes, as marcas estão a explorar formas de combinar o poder das redes sociais com ferramentas de IA para criar experiências de compra mais diretas e personalizadas.

Porquê esta tendência?

  • Evidências atuais: Artigos como o da Forbes (3/12/2024) e da Influencity (6/11/2024) destacam que o social commerce (compras diretamente nas plataformas sociais) está a crescer, com plataformas como o TikTok Shop e o Instagram Shopping a permitir que os utilizadores comprem produtos – como refeições ou vouchers de restaurantes – sem sair da app. Em Portugal, onde a gastronomia é um pilar cultural, isso pode traduzir-se em reservas instantâneas ou pedidos de take-away impulsionados por IA.
  • Transição dos influencers: Os influencers não vão desaparecer, mas o seu papel está a evoluir. Em vez de serem apenas promotores, estão a tornar-se criadores de experiências imersivas. Por exemplo, um influencer como o Tiago Charters, que faz reviews de restaurantes no TikTok, pode passar a integrar live shopping, mostrando pratos ao vivo e permitindo compras em tempo real com recomendações personalizadas geradas por IA com base nos gostos dos seguidores.
  • Exemplo prático: Imagina um restaurante como A Cevicheria a usar IA para analisar dados de clientes (preferências, horários) e, em parceria com um influencer como o Casal Mistério, criar campanhas onde os seguidores recebem sugestões automáticas de pratos e fazem pedidos diretamente no Instagram. Isso já está a acontecer noutras indústrias e deve chegar à restauração em força.

Como se diferencia dos influencers?

  • Automação e escala: Enquanto os influencers dependem da sua autenticidade e alcance pessoal, o social commerce com IA leva isso a outro nível, automatizando a personalização e reduzindo a fricção entre descoberta e compra. Não substitui os influencers, mas amplifica o seu impacto.
  • Foco no cliente: A tendência passa o poder para o consumidor, que interage diretamente com a marca através de tecnologia, em vez de depender apenas da recomendação de uma figura pública.

Contexto português

Em Portugal, onde a cultura de comida é tão rica, esta tendência pode ganhar tração rapidamente. Restaurantes pequenos, como tascas ou pastelarias, podem usar ferramentas de IA acessíveis (ex.: Instagram Shopping com chatbots) para competir com grandes cadeias, algo que o modelo tradicional de influencers nem sempre permite devido a custos ou alcance limitado.

Previsão

A próxima grande tendência após os influencers pode ser esta fusão de social commerce e IA, onde a influência humana se junta à tecnologia para criar uma experiência seamless. Não é uma rutura total com os influencers, mas uma evolução: menos foco na figura do criador e mais na interação direta e inteligente entre marca e cliente. Em 2025, espera-se que isto seja ainda mais evidente, como apontam estudos da Rakuten Advertising (9/12/2024) sobre o crescimento global do full-funnel marketing.

Nem toda a tecnologia vem para ficar, mas tendências como apps de reservas já mudaram a restauração.

Conclusão: inovadores ou oportunistas?

Os influencers na restauração são um pau de dois bicos. Quando bem geridos, podem ser uma bênção, trazendo visibilidade, novos clientes e um toque de modernidade a um setor tão tradicional como o português. Mas, se mal aproveitados, tornam-se uma maldição – um custo sem retorno ou, pior, um dano à reputação.

A chave está na escolha inteligente e no equilíbrio. Um influencer pode abrir portas, mas é a qualidade da comida, o ambiente e a experiência que mantém os clientes a voltar. Em Portugal, onde a gastronomia é sinónimo de alma e autenticidade, o verdadeiro sucesso vem de combinar o poder digital com o sabor genuíno que nos define. No final, o maior influencer de um restaurante será sempre a satisfação à mesa – e isso, nenhuma rede social pode fabricar.